sábado, outubro 30, 2004

VOCÊ VIU UM MONDRONGO POR AÍ?

O que eu vou falar é quase um segredo, mas, convenhamos: alguém tem que abordar esse assunto. A Terra, principalmente as concentrações urbanas, tem sido invadida por seres misteriosos de um planeta distante, chamado Mondrongônia. Obviamente os seus habitantes são os mondrongônios, mas, no popular, atendem melhor quando os chamamos de mondrongos.

De início posso lhes dizer que eles são pacíficos, o que traz uma grande tranqüilidade para todos nós. Talvez você me pergunte: "Como é que eu nunca vi nenhum deles?". É procedente e natural a sua dúvida: não se assuste. São fisicamente iguais aos humanos como você, pois copiaram quase todo o nosso código genético, tendo, também, uma similaridade de hábitos, através da "clonagem" dos nossos comportamentos e atitudes. Ia me esquecendo: eles têm mais paciência do que nós costumamos exibir, o que revela como são evoluídos.

Revelam, entretanto, uma dificuldade natural, e aqui vem o problema de convivência com a gente: eles não entendem com clareza as regras do nosso trânsito, acham que estão dirigindo no quintal da casa deles (o fazem sem pressa alguma) e nem sabem muito bem como dirigir os veículos terrestres, principalmente os carros comuns, de forma a fazer o trânsito fluir sem problemas. Falta-lhes essa consciência do coletivo: não assimilarem que uma atitude inadequada deles acaba repercutindo na vida e no tempo das outras pessoas que coabitam os espaços na mesma cidade.

Como se pode ver, nesse quesito "entendimento da realidade", os mondrongos não são muito bem sucedidos, pois é comum, em seu planeta de origem, apesar de estarem num estágio de evolução muito superior ao dos terráqueos, não serem providos de senso lógico, e isso faz toda a diferença aqui, no trânsito, na Terra.

O impacto maior é no espaço urbano: gostam muito de dirigir em baixa velocidade utilizando a faixa da esquerda: eles não conseguem assimilar, de jeito nenhum, que a faixa da direita é a reservada para os veículos que transitam em baixa velocidade.

Às vezes gostam de utilizar simultaneamente as outras duas faixas, também: costumam dirigir em formação, sempre vagarosos, com os seus três veículos alinhados, impedindo que alguém que esteja querendo dirigir numa velocidade normal os ultrapasse.

Outra singular característica é que são muito precavidos: mesmo sabendo que só vão fazer uma conversão à esquerda (esses retornos normais) daqui a trezentos metros, eles já posicionam, desde o início, seu carro na faixa da esquerda e, dali não saem, dali ninguém os tira ( e o trânsito que se dane).

Quando vão entrar numa rua à direita e pretendem, uns quinhentos metros à frente, fazer uma conversão à esquerda, eles ficam parados, dando seta, mesmo com o sinal verde, aguardando uma oportunidade de entrar, na rua à direita, na faixa da esquerda: são incapazes de entrar na faixa à direita para, em seguida, à medida que o trânsito evolui, passarem para a faixa do meio e, mais à frente, irem para a faixa da esquerda.

Por uma incrível aplicação da Lei de Murphy, eles sempre estão na primeira fila quando o sinal de trânsito se fecha, e haja paciência para os terráqueos que se postam, no máximo, a partir da segunda fila: somente quando o sinal fica verde é que eles vão procurar se lembrar (ah, ia me esquecendo: eles são meio ruins de memória) onde fica o câmbio. Aí eles interrompem a leitura de algum texto, engatam a primeira marcha, soltam o freio de mão e, finalmente, saem devagarinho. "Graças" à ação atrapalhada de um mondrongo, poucos carros conseguem passar, antes de o sinal ficar vermelho novamente: e aí começam a se formar novos congestionamentos.

Outra característica marcante desses seres nos sinais fechados é que eles não gostam de, parados, ficar muito próximos do carro da frente: se são os primeiros da fila, como quase sempre o conseguem, deixam uma espaço vazio de uns quinze metros.

Se ao longo de uma fila, você for computando um mondrongo aqui, um mondrongo ali, o desperdício de espaço é muito grande, o que torna o trânsito bastante lento.

Dirigindo calmamente, os mondrongos costumam acionar a seta, fazem uma conversão à direita, e depois a esquecem ligada, o que, não impede que, mais à frente, façam nova conversão, dessa vez à esquerda, confundindo totalmente a nós, seus seguidores no trânsito.

Eu estranho, também, que, quando são muitos os mondrongos no trânsito no mesmo lugar, à medida que o sinal fecha e, tendo três faixas disponíveis, eles preferem formar uma fila indiana, ou no máximo dupla, deixando pelo uma faixa quase que totalmente desperdiçada. Seria natural se esse "desperdício" de faixa ou faixas não atrapalhasse todo o fluir do trânsito da rua. Aliás, boa parte dos congestionamentos – grandes ou pequenos - só acontece pela inação dos mondrongos dispersos na multidão.

Quando os mondrongos vão estacionar, conseguem provocar irritações. Se a vaga for perpendicular ao meio fio, eles estacionam de forma paralela, ocupando duas vagas. Quando a vaga é demarcada a 45 graus, com claras marcações de limites laterais de vaga no solo, os mondrongos pensam que a marca no chão determina o centro da vaga: aí novamente, eles desperdiçam uma vaga.

Quando se forma um congestionamento nas ruas , e está prestes a fechar o sinal, aparecem sempre dois tipos de mondrongos:

- os que forçam a barra, sabem que não vai dar para passar, mas querem passar, assim mesmo. Resultado: o sinal se fecha, o trânsito à frente não flui e os mondrongos ficam parados no meio do cruzamento, impedindo que os veículos fluam na via perpendicular. Quando flui o trânsito no via em que estão os mondrongos, o sinal se fecha novamente para os que estão na via contrária, fazendo esses motoristas terem que esperar uma nova abertura de sinal, desde, é claro, que novos mondrongos não atrapalhem outra vez o trânsito para os mesmos motoristas retidos;
- aqueles que, estando cinqüenta metros distantes do sinal - que ainda está verde - , reduzem significativamente a velocidade, como que se estivessem à espera do sinal vermelho, e aí, naturalmente, transcorridos uns preciosos segundos, o sinal fica vermelho. Como conseqüência, pelo menos três carros daquela faixa deixam de passar em condições legais.

Numa rua estreita, em que não há chance de ultrapassagem, se houver filas de carros estacionados ao longo do meio-fio, gostam de parar no meio da rua, para descarregar pacotes, esperar filhos saírem dos prédios, ou mesmo conversar com outro mondrongo pedestre.

Como se pode ver, a maior ameaça dos mondrongos, por enquanto, é à nossa paciência e ao nosso tempo disponível. E não adianta buzinar, nem xingar: sequer passa pela cabeça deles que os insultos lhes são dirigidos, pois crêem firmemente que estão dirigindo da forma certa. Afinal de contas, se tivessem discernimento, não cometeriam essas leviandades no trânsito.

Relaxe, portanto, e espere, quando estiver no trânsito, pois não tenho a menor idéia como me livrar deles no trânsito, nem como fazê-los mudar a conduta, ao entenderem o dano que causam. O alerta que faço a vocês só se justifica pelo fato de, estando cientes da verdade, certamente não cometerão nenhuma agressão ou violência contra esses chatos e pacíficos transgressores.

L.A.C.